A história é um esforço entre comunidade, lideranças, pesquisadores e profissionais da saúde.
"A gente conseguiu fazer isolamento domiciliar. Fizemos o contrato da doutora Giulia, compramos medicamentos, improvisamos o hospital. Foi uma grande experiência que tivemos" - Yanama Kuikuro, presidente da Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu.
Localização do Parque Indígena do Xingu — Foto: Juliane Souza/G1
A comunidade aceitou se vacinar, e todos receberam a primeira dose nesta última semana, depois de meses em operação contra a doença. A confiança, segundo a médica, vem de um trabalho que deu certo e trouxe resultados melhores do que os de outras aldeias no Xingu.
Além disso, as lideranças foram se vacinar logo no início e mostraram que não havia risco para os outros indígenas. O cacique Afukaká Kuikuro e o líder Yanamá foram os primeiros do distrito sanitário indígena a receber a primeira dose – e já foram imunizados com a segunda.
Yanamá Kuikuro recebe a segunda dose da vacina contra a Covid-19 — Foto: Arquivo Pessoal
Faz parte também do esforço uma parceria com cientistas do coletivo Amazon Hopes. O grupo tem antropólogos, arqueólogos e outros pesquisadores que atuam diretamente com a associação. Desde o início, além de fazer parte da criação da estratégia, o grupo buscou esclarecer as informações sobre a doença.
"Desde o começo foi uma campanha de informação e contra a desinformação" - Bruno Moraes, arqueólogo que faz parte do coletivo.
"Toda essa campanha que a gente fez, eles [indígenas] viram que deu resultado. Eles viam que outras aldeias perdiam gente para a Covid, como primos e tios, e isso deu uma força para confiar nos profissionais de saúde dentro da comunidade. Relação de confiança completa", explicou.
De acordo com Giulia, Yanamá e Bruno, a aldeia não quis usar o chamado "kit Covid" disponibilizado pelo governo, com medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença.
Manter a posição
A parte mais difícil para Yanamá, líder da associação, não foi convencê-los a se vacinarem. Ele disse que a maior barra foi manter a comunidade em isolamento durante os últimos meses.
"A gente se acostumou a comprar algumas coisas na cidade e aí foi ficando difícil pra mim. Todo mundo estava querendo ir. Aí tive que juntar todo mundo para não sair", contou.
Segundo o líder, existe o costume de sair da aldeia para garantir alguns mantimentos, como combustível e anzol para pescar. "A associação precisou se organizar e fazer as compras".
"Era muita gente irritada, tinham pessoas que quando eu reunia a comunidade saíam bravas. Aí marcava mais uma reunião e era 'de novo essa reunião de coronavírus', mas aí eu fui insistindo, conversando, conversando...", disse Yanamá.
"No final, todo mundo obedeceu".
Giulia e colega profissional de saúde fazem testagem de pacientes na aldeia — Foto: Arquivo Pessoal
Outras mortes e a despedida
Neste período, três pessoas da comunidade morreram. Duas com câncer e uma criança por causa desconhecida.
O ritual indígena para enterrar seus parentes é forte, contou Giulia. Eles se reuniram de máscara para pintar os corpos. "É um ritual intenso e de muito respeito. Uma coisa ancestral. Muito rico, tudo ainda feito como antigamente", afirmou a médica. Yanamá disse que em 15 de agosto eles irão participar do Kuarup, ritual de homenagem aos mortos na região do Xingu que precisou ser cancelado em 2020.
Nos últimos tempos antes de voltar para São Paulo, Giulia precisou fazer um parto prematuro de uma mãe de primeira viagem da comunidade. Depois de tratar dezenas de pessoas com a Covid-19, foi receber a dose da vacina, mas o governo negou.
"Saí muito triste, muito decepcionada, com a vacina negada do Distrito. Fazia 6 meses que eu estava trabalhando e eu ia voltar pra casa e colocar a minha família em risco". A médica conta que depois os responsáveis pela imunização chegaram a "voltar atrás", mas ela já estava embarcando de volta para casa.